Internorte inicia com missa na catedral de Miracema (TO)
A Cáritas Brasileira presente no Pará, Amapá, Manaus, Amazonas, Tocantins, Rondônia, Roraima e Acre se reuniu em Miracema (TO) para o Inter-Norte 2022. Foi um momento de retomada das místicas presenciais que animam a caminhada, de discutir o contexto amazônico que afeta as ações realizadas nas comunidades e de avaliar as atividades do primeiro semestre para ajustes e avanços.
O encontro ocorreu de 27 a 30 de agosto em Miracema, cidade de Tocantins. Foi o primeiro Internorte presencial após o fim do isolamento gerado pela Pandemia da Covid. O momento foi de intensa partilha das ações realizadas, dos pontos de vista sobre as estratégias utilizadas em cada Estado e de análises da conjuntura.
A assessora da Cáritas no Acre, Aurinete Brasil, observou que os Estados amazônicos têm características próprias, de forte relação com o meio ambiente. Nesses territórios, as atividades dependem da cheia ou da vazante da maré, o transporte é mais caro e as fronteiras com outros países implicam no agravamento de violações de direitos infantis, de mulheres, indígenas e quilombolas, por exemplo.
Mística em conexão com a natureza para fortalecer o espírito.
Os relatos sobre a realidade vivenciada nos municípios onde a Rede Cáritas está atuando também demonstraram semelhanças nos problemas enfrentados, seja nas comunidades de mata ou de cerrado. Os mais comuns são a fome agravada pela Pandemia e os conflitos gerados pela instalação de grandes empreendimentos.
“A conjuntura não muda muito”, apontou Samuel dos Reis, da Articulação Norte 3, ao citar exemplos como a falta de energia elétrica em comunidades apesar da construção de hidrelétricas ter se dado sob a promessa desses equipamentos serem indutores da saúde, da educação e do conforto.
Por conta deste cenário, várias ações priorizadas nos Estados também se assemelharam. Uma delas é a distribuição de sementes, dentro do eixo da convivência com biomas. No Pará, da Regional Norte II, por exemplo, houve distribuição de mudas durante a Semana do Meio Ambiente, na Feira do Agricultor, que tem funcionado semanalmente, no município de Bragança.
Na comunidade de Matinha, município de Colmeia (TO), abrangida pela Articulação Norte III, o agricultor Valdivino Sobrinho, de 58 anos, montou a Casa de Sementes, onde são distribuídas variadas espécies para cultivo de alimentos e reposição florestal. “Antes, eu saía com minha sacolinha, nos eventos, trocando sementes. Com a Casa de Sementes, se ampliou mais o trabalho que a gente desenvolveu na comunidade”, contou.
Valdivino tem uma trajetória de vivência nas Comunidades Eclesiais de Base e, nos últimos anos, tem sido bastante ativo nas formações técnicas sobre agroecologia. Além de atuar no banco de sementes, ele tem trabalhado em ações para a recuperação de nascentes de água.
Avanços
Na Articulação Norte 1, uma das ações realizadas no primeiro semestre ajudou adolescentes que vivenciam a pobreza menstrual, termo usado para caracterizar a falta de acesso aos itens básicos de higiene durante o ciclo reprodutivo feminino.
Em Cruzeiro do Sul (AC), da Articulação Noroeste, o projeto Orinoco, voltado à população migrante, avançou para o atendimento de brasileiros em situação de deslocamento também.
Avanços e desafios das ações de cada Estado são compartilhados.
Rede tem atuação histórica e precisa ser fortalecida.
A secretária executiva do Regional Norte II, Ivanilde Silva, apontou avanços na celebração de parcerias, situação identificada nas demais articulações. No caso das ações voltadas à convivência com biomas, os parceiros estão, sobretudo, nas instituições de pesquisa.
“Por meio da Cáritas, temos voz e temos gente”, completou Aurinete Brasil ao observar que as ações listadas nos PMAS de cada articulação e Regional do Inter-Norte demonstram que há espaço para fortalecimento da Rede Cáritas.
A assessora nacional da Cáritas Brasileira, Cristina dos Anjos, reforçou que a atuação na região Norte do país foi uma opção institucional e tem crescido bastante. “Tem problemas? Tem dificuldades? Tem. Pode-se pensar conjuntamente em saídas. Se fortalecer um pouco mais”, observou.
Cristina lembrou que a Cáritas teve atuação importante no Semiárido, nos anos 2000, para combater a seca. As ações acabaram evoluindo para a convivência com o bioma e se tornaram referência para políticas públicas criadas à época.
Representatividade amazônica e esperança
Através de chamada por vídeo, pois, participava da 59 Assembleia Geral dos Bispos, em Aparecida (SP), o bispo da Diocese de Miracema, Dom Philip Dickmans, enfatizou a necessidade da Cáritas ser um porto de esperança diante do cenário em que o Brasil se encontra, com cerca de 55 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. “Precisamos ter os olhos fiéis a Jesus para poder chegar a todos”, disse.
Ele também destacou a importância da Amazônia ter pela primeira vez a representatividade de um cardeal, Dom Leonardo Steiner, Arcebispo de Manaus, nomeado pelo Papa Francisco em agosto. “Para nós, ter um cardeal é o reconhecimento de todo o processo que foi feito, durante a Pandemia, desde a preparação para o Sínodo”.
Representantes de cada Estado apresentam traços da territorialidade amazônica.
Por uma Igreja Mariana com atuação de base
Também em vídeo chamada, o arcebispo metropolitano de Palmas e presidente do Regional Norte 3 da CNBB, Dom Pedro Brito, revelou que, em conversa com os bispos, o Papa Francisco foi cobrado para a criação do ministério do leigo e da mulher, tendo recomendado que tenhamos um Igreja mais Mariana.
Dom Pedro observou que Maria é exemplo de uma atuação na base. “Maria não foi ordenada, não recebeu ordenação. No entanto, a pessoa mais querida depois de Jesus é ela. Ela faz milagre, ela faz o trabalho de base, é advogada, a consoladora, o remédio. Tudo o que nós podemos pensar”, explicou.
O arcebispo acredita que “tá faltando uma teologia de Maria pra gente mudar essa Igreja muito clericalizada, horizontalizada e em cima do homem”. Ele também disse ser um entusiasta do trabalho da Cáritas.
Conjuntura exige defesa de projeto democrático e contra a fome
Convidado para falar da conjuntura brasileira em que as ações da Cáritas estão inseridas, o juiz do Tribunal do Trabalho do Tocantins, Leador Machado, apontou três projetos em andamento no país. Dois deles, do neoliberalismo e do capitalismo verde, estão associados a práticas que aumentam a pobreza e produzem mazelas, como a poluição.
O contraponto é o projeto do bem viver, que serve de base para as ações da Cáritas. Nele, a terra é tratada como a nossa casa comum, em que homem e meio ambiente estão totalmente integrados. “Temos uma ecologia integral em que tudo está interligado, até nosso consumismo”, observou.
Momento de debate sobre a execução dos planos.
Leador expôs o projeto Encantar a Política, iniciativa da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) e organismos da Igreja para estimular a atuação dos leigos na vida política. Ele defendeu a formação de uma coalização democrática em prol de governo que elimine a fome.
“A participação dos movimentos sociais é essencial”, pontuou ao alertar que é preciso fazer frente à bancada defensora do agronegócio no Congresso, pois, em geral, são nessas atividades econômicas que ocorrem os flagrantes de trabalho extensivo caracterizado como escravo.